. Suspensão de todos os processos na Justiça do Trabalho: efeitos da decisão liminar proferida na ADC 58

Suspensão de todos os processos na Justiça do Trabalho: efeitos da decisão liminar proferida na ADC 58


Ajuizada a reclamação trabalhista pelo empregado e após os trâmites legais (contestação, apresentação de documentos, perícia e depoimentos de testemunhas, por exemplo), o juiz do trabalho profere sua sentença, podendo a parte descontente com o resultado interpor recurso para as instâncias superiores.

Se o trabalhador "ganhar a causa", isto é, se o pedido for julgado procedente, ainda que em parte, é necessário liquidar a sentença, caso não seja líquida. Liquidar a sentença é elaborar o cálculo para transformar em dinheiro o direito reconhecido pelo juiz do trabalho. Em outras, palavras, é calcular quanto o trabalhador deverá receber por ter ganho a causa.

Nesse caso, o cálculo pode ser feito pelo trabalhador ou por perito contador nomeado pelo juízo.

Um item que obrigatoriamente deve constar no cálculo é a correção monetária.

O que é correção monetária? 

A correção monetária, também conhecida como atualização monetária, basicamente é um ajuste financeiro em relação à inflação com a finalidade de repor a perda econômica durante certo período. Em outras palavras, a correção monetária é aplicação de um índice com o objetivo de repor o poder de compra. 

Há vários índices que podem ser utilizados para atualizar uma dívida, como:

IPCA - índice de preços ao consumidor;

IPCA-E - índice de preços ao consumidor amplo especial;

TR - taxa referencial;

CDI - certificado de depósito bancário; e

IGP-M - índice geral de preços de mercado.

Qual é o índice de correção monetária utilizado na Justiça do Trabalho?

O art. 39, caput e parágrafo 1º, da Lei 8.177/1991 (Lei de Desindexação da Economia) determina a utilização da Taxa Referencial - TR como índice de correção monetária a ser utilizado nos cálculos na Justiça do Trabalho. 

A Taxa Referencial - TR é uma taxa mensal criada durante o governo Collor, no início dos anos 1990, para servir de referência para a taxa de juros no Brasil, numa tentativa de controlar a inflação.

Esse era o índice de correção monetária utilizado até agosto/2015.

Em 13-08-2015, o Pleno do Tribunal Superior do Trabalho afastou a aplicação da Taxa Referencial - TR e determinou a adoção do Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial - IPCA-E, conforme decisão proferida no ArgInc-479-60.2011.5.04.0231, pelas seguintes razões de decidir: "1 – declaração de inconstitucionalidade por arrastamento da expressão 'equivalentes à TRD', contida no caput do artigo 39 da Lei n° 8.177/91; 2 – adoção da técnica de interpretação conforme a Constituição para o texto remanescente do dispositivo impugnado, a preservar o direito à atualização monetária dos créditos trabalhistas; 3 – definir a variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) como fator de atualização a ser utilizado na tabela de atualização monetária dos débitos trabalhistas na Justiça do Trabalho".

O Pleno do Tribunal Superior do Trabalho decidiu pela aplicação do IPCA-E em razão da decisão do Supremo Tribunal Federal que, no julgamento das ADIs 4357 e 4425, relativas à EC 62/2009 (que alterou o art. 100 da CF referente ao precatório), considerou válida a Taxa Referencial - TR para a correção dos precatórios até o dia 25-03-2015 (modulação dos efeitos da decisão pelo STF) e estabeleceu sua substituição pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E).

Assim, a partir de 13-08-2015 passou a ser adotado o IPCA-E como índice de correção dos débitos trabalhistas, data essa posterioremente alterada para a mesma data definida pelo Supremo Tribunal Federal, isto é, 25-03-2015, em razão do efeito modificativo atribuído pelo TST no julgamento dos embargos de declaração opostos nos autos ArgInc-479-60.2011.5.04.0231.

Em 13-07-2017, no entanto, foi publicada a Lei 13.467/2017, conhecida como Lei da Reforma Trabalhista, que incluiu o § 7º nart. 879 da CLT (saiba como ler artigos de lei aqui) e determinou a aplicação da TR na atualização da dívida trabalhista.

Em 03-10-2019, porém, ao julgar os embargos de declaração opostos em face da  decisão proferida no RE 870.947, o Supremo decidiu não modular os efeitos da decisão anterioremente proferida e assim afastar a aplicação da TR até mesmo para o período anterior a 24-03-2015, ao fundamento de que a aplicação da TR afronta o direito fundamental de propriedade consagrado pelo art. 5º, XXII, da CF. 

Em face dessa nova decisão do STF, em 15-06-2020, o Pleno do TST, nos autos 0024059-68.2017.5.24.0000, por maioria (17 votos), declarou inconstitucional o uso da TR instituída pela Lei n. 13.467/2017, no art. 879, § 7º, da CLT, na atualização dos débitos trabalhistas. A retomada do julgamento dessa questão no TST estava marcada para ocorrer na sessão do dia 29-06-2020.

Entretanto, em 27-06-2020, nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade 58 e 59, ajuizadas em 2018, respectivamente, pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif) e pela Confederação Nacional da Tecnologia da Informação e Comunicação (Contic)Ministro Relator Gilmar Mendes proferiu decisão liminar determinando, ad referendum do Plenário da Corte, a “suspensão do julgamento de todos os processos em curso no âmbito da Justiça do Trabalho que envolvam a aplicação dos artigos arts. 879, §7, e 899, § 4º, da CLT, com a redação dada pela Lei nº 13.467/2017, e o art. 39, caput e § 1º, da Lei 8.177/91”. 

Em síntese: essa decisão liminar determinou a suspensão da tramitação de todos os processos no âmbito da Justiça do Trabalho em que se discute o índice de atualização a ser aplicado, TR ou IPCA-E. 

Isso significa que todos os processos serão paralisados?

Em princípio, não.

É preciso separar os processos que estão na fase de conhecimento (isto é, de definição do direito do autor) daqueles que estão na fase de execução (ou seja, de cobrança dos créditos reconhecidos na fase de conhecimento).

Quanto aos processos que estão na fase de conhecimento, devem ser suspensos somente aqueles em que a aplicação do índice a ser utilizado - o previsto no art. 879, § 7º, da CLT, e no art. 39, caput e § 1º, da Lei 8.177/91 (TR) ou definido pelo TST (IPCA-E) - tenha sido objeto de discussão pelas partes, exigindo assim uma decisão específica do Juiz do Trabalho sobre o tema em sua sentença. Dessa forma, se não houver discussão específica sobre essa questão, o processo deve tramitar normalmente.

Por ser uma matéria de direito, mesmo nos casos em que há discussão sobre o tema, nada impede, a meu ver, de o processo prosseguir até o término da instrução (isto é, da produção de provas) e somente ser suspenso por ocasião do proferimento da sentença.

Em relação aos processos na fase de execução, apenas serão suspensos aqueles em que o índice de atualização aplicável não tenha sido definido pelo Juiz ao prolatar sua sentença na fase de conhecimento. Assim, se o magistrado, em sua sentença, já houver definido o índice a ser aplicado (TR ou IPCA-E) prevalecerá o que for decidido pelo juiz em respeito à coisa julgada material.

Ante o exposto, a decisão liminar proferida pelo Ministro Gilmar Mendes, em princípio, não paralisa todos os processos em tramitação na Justiça do Trabalho, mas apenas aqueles em que há discussão específica sobre o tema, observadas as peculiaridades referentes aos processos na fase de conhecimento ou de execução. 

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